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Traumatologia Kung Fu

FERIMENTOS DE QUEDAS E PANCADAS
(Introdução à Traumatologia Chinesa)

“A arte da medicina consiste em distrair o paciente enquanto a natureza cura a doença.”
Voltaire

Traumatologia e o Kung Fu Chinês.

Traumatologia ou “shang ke”, é um aspecto especial da medicina chinesa, provavelmente único no mundo, uma especialidade para o tratamento de ferimentos causados por incisão, contusão, deslocamento, fraturas e impactos fortes causando dano interno.
Na cultura chinesa o desenvolvimento de uma pessoa é classificado em duas divisões principais: “wen” ou as artes do sábio (erudito, culto literato) e “wu” ou as artes do guerreiro. Na China clássica, os oficiais de alto escalão do imperador eram divididos em “wen guan” ministros sábios e “wu Jiang”, generais do exército. Uma pessoa que era treinada tanto nas disciplinas eruditas e nas marciais, se tornava conhecida como “wen wu shuang quan” e era muito admirada.
O desenvolvimento da traumatologia na China Clássica estava intimamente relacionado com o cultivo marcial. Mestres de kung fu eram geralmente traumatologistas, pois o treinamento duro frequentemente resultava em ferimentos que precisam de tratamento traumatológico. O famoso templo Shaolin, considerado por muitos o pináculo do kung fu, era muito conhecido por sua traumatologia. Ferimentos traumatológicos são comumente causados por quedas e pancadas.

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Esse aspecto único da medicina chinesa é também conhecido como “die da” que em português significa “quedas e pancadas”.

Tradicionalmente, a maneira normal de se aprender a traumatologia ou “die da” era seguir um traumatologista, que também era um mestre de kung fu. O ônus se dava no tratamento prático, com pouca ênfase na teoria. Portanto, com o passar do tempo os traumatologistas que era excelentes em sua prática, não eram familiares com a teoria médica. De fato, a traumatologia, na prática, operava fora da corrente principal da medicina chinesa.

Essa situação é acentuada pela prática que as pessoas genericamente diferenciam um ferimento (shang) de uma doença (bing): dessa forma, um traumatologista trata pacientes com ferimentos. Enquanto o médico trata pacientes com doenças.
Ainda hoje, a maioria dos médicos chineses tem conhecimento escasso e pouco conhecimento profissional em traumatologia, porque mesmo se eles tiverem estudado traumatologia no seu treinamento poucos se especializam nela pois, os pacientes que precisam de atendimento traumatológico quase sempre consultam os mestres de kung fu em vez dos médicos chineses.

Essa peculiar situação é um tanto infeliz porque a traumatologia chinesa é muito avançada e tem muito a oferecer para o mundo, mas se os praticantes não estão no ramo principal da medicina chinesa, o seu papel e contribuição nos círculos médicos certamente será afetada.
Nessa conexão tenho sorte, pois dois dos meus quatro mestres de kung fu, Sifu Ho Fatt Nam e Sifu Choe Hoong Choy que me ensinaram o Kung Fu Shaolin e Wing Chun respectivamente, eram médicos chineses que se especializaram em traumatologia.
Meu primeiro mestre de kung fu, Sifu Lai Chin Wah, que me ensinou também o Kung Fu Shaolin, era um traumatologista tradicional, no entanto não era treinado propriamente na medicina chinesa; enquanto meu outro mestre de kung fu, SIfu Chee Kim Toong, quem me ensinou kung fu Wuzu, era um médico da medicina tradicional chinesa mas não se especializou em traumatologia.
A situação da traumatologia agora na medicina chinesa é promissora. Retornando de uma conferência internacional de medicina chinesa na China recentemente, Sifu Ho me disse que atualmente os traumatologistas desfrutam de um alto respeito entre os profissionais médicos na China, mais alto do que acupunturistas, herborista e outros especialistas, ficando atrás somente dos cirurgiões.

É interessante notar a mudança do prestígio desses especialistas na medicina chinesa. Durante a dinastia Zhou mais do que 20 séculos atrás, o ranking oficial era o seguinte: herboristas, acupunturistas, cirurgiões (incluindo traumatologistas e terapeutas massagistas) e dietistas.

Classificações da Traumatologia
Por conveniência, a traumatologia chinesa é dividida em dois grandes grupos, denominados ferimentos externos e ferimentos internos. Os externos se referem a ferimentos na pele, músculos e ossos; enquanto que os internos se referem à energia vital, sangue e órgãos internos. Essas divisões e suas subdivisões têm propósitos pedagógicos, na prática existe muitas sobreposições nessa classificação.
Ferimentos na pele e carne são de dois tipos. Se a pele está rasgada o ferimento é denominado incisão ou corte; se a pele está intacta mas, o ferimento foi profundo até a carne,o termo é contusão ou escoriação.
A lesão pode ser simples como um ferimento causado por uma lâmina ou objeto pontiagudo, ou um coágulo de sangue na carne (marca roxa); ou complexo com a pele e a carne sendo feridas por um impacto veemente danificando ossos, veias e artérias, ou hemorragia interna afetando o fluxo de sangue e energia para os órgão internos.
Os chineses consideram a pele uma parede que protege o interior: qualquer rachadura pode resultar no mau externo entrando no corpo, ou o escapamento da essência interna. Portanto, até mesmo para um simples corte, é necessário prevenir a infecção e parar o sangramento.

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Ferimentos nos músculos e nos tendões estão entre os mais comuns na traumatologia, especialmente em adultos. Os chineses têm muitos termos figurativos para descrever tais ferimentos como os músculos e tendões estarem descontinuados, tortos, inclinados, deslocados, derrubados, desprendidos, fragilizados, fortalecidos e travados. Esses ferimentos podem ser causados por forças em espiral, em rotação ou direta; e de acordo se os tendões estão ou não partidos. Simples ferimentos nos músculos e tendões afeta o movimento corporal, enquanto os complexos portem interromper o fluxo de energia e lesionar órgãos internos.
Enquanto muitas pessoas iriam considerar uma fratura óssea um ferimento sério, o qual precisaria de alguns meses para ser curado, na convenção médicas, ferimentos ósseos são classificados como externos, comparado com problemas internos como um ataque viral nas células do corpo ou tecidos defeituosos num distúrbio orgânico. Lesões nos ossos são consideradas em maiores ou menores.
As lesões menores afetam apenas a superfície óssea sem danos mais sérios. As maiores envolvem fraturas e deslocamentos. Deslocamentos podem ser totais ou parciais; e podem ser para frente, trás, cima ou baixo. Fraturas são de três tipos, podem estar rachados, quebrado em duas ou mais partes ou em muitas pequenas partes.
Lesões ósseas simples não apresentam complicações e o tratamento é tópico; mas ferimentos ósseos complexos, como quando a fratura perfurou algum órgão interno ou um deslocamento de vértebra que afetou o sistema nervoso, exigem grandes habilidades e conhecimentos para serem tratados.
Ferimentos internos na traumatologia são de três tipos principais: ferimentos que afetam a energia vital, o sangue ou os órgãos internos. O termo “interno” é utilizado aqui para diferenciar dos ferimentos externos que acometem os músculos, ossos e pele.
Traumatologia, como um ramo da cirurgia, pertence à medicina externa, na qual o curador normalmente lida com partes do corpo discerníveis, comparado à medicina externa que uma medicação oral é tomada e atua no nível celular do corpo. Esses termos foram desenvolvidos para conveniência; independentemente se ele pratica a medicina interna ou externa, o médico trata o paciente como um todo.
Ferimentos na energia vital é uma área que o ocidente pode vir a aprender muito com os chineses. Porque o fluxo de energia não é algo visível e o seu conceito é ausente na filosofia médica ocidental.
Na verdade na filosofia médica chinesa, todas as doenças são causadas pela interrupção do fluxo de energia harmonioso; na traumatologia o termo “ferimento na energia vital” é particularmente usado para caracterizar bloqueios ou estagnação do fluxo energético causado por uma força externa, como um poderoso impacto ou uma queda violenta, na quais o impacto é tão intenso que a força é transmitida ao corpo causando bloqueios ou estagnação de energia.
Pelo fato de que o fluxo de energia harmonioso é essencial para a saúde, esse tipo de ferimento tem sérias repercussões, como afetar as funções dos vários órgãos, atrapalhando o sistema de feedback causando distúrbios no sistema nervoso.
No Kung Fu Shaolin avançado, existe uma arte incrível conhecida como “dan xue”, ou demarcação de pontos de energia, na qual um expert usando a sua força interior pode interromper o fluxo de energia do seu oponente, acertando os seus pontos de energia com os dedos, causando sérios ferimentos à prazo que o oponente pode não ter conhecimento.
Para cura, abrir certos pontos de energia e transmitir energia vital para o paciente através deles, um mestre Shaolin pode curar ferimentos e doenças. Nós leremos mais sobre essas técnicas de cura nos próximos capítulos sobre acupuntura, massagem e terapia de chi kung.
Ferimentos na energia vital frequentemente levam a ferimentos no sangue e vice e versa. Um princípio de medicina chinesa afirma que “o qi é o comandante do sangue”, significando que o fluxo de energia pavimenta (direciona e oferece sustentação) o caminho do sangue. Portanto, um bloqueio de energia ou estagnação afeta de maneira negativa a circulação do sangue.
Um ditado na medicina chinesa diz que “ferimentos na energia causam dor; ferimentos do sangue causam inchaços.” Lesões no sangue podem resultar em hemorragia interna, onde o sangue “desordenadamente” é forçado para fora dos vasos sanguíneos e coagula dentro do corpo; ou numa desordem hemorrágica, na qual o sangue é expelido para fora do corpo de forma anormal como vomitar sangue, urinar e defecar sangue ou sair pelo nariz, olhos ou orelhas.
Lesões nos órgãos internos podem ser diretas ou indiretas. As diretas são causadas por agentes como golpes poderosos, quedas violentas, pressões fortes, armas penetrantes e ossos fraturados. Nesse caso o agente danifica fisicamente os órgãos.
Indiretamente as lesões ocorrem como resultado de um bloqueio de energia ou enfermidades do sangue que comprometem, não sua estrutura, mas as suas funções são alteradas. Podem ser causadas também por emoções negativas, como o excesso de ansiedade que é agressivo ao baço e a tristeza para os pulmões.
O treinamento errado ou desviado das artes marciais ou chi kung pode causar ferimentos dos órgãos internos. Por exemplo, um estudante desinformado que golpeia constantemente pequenos grãos com os seus dedos sem um preparo prévio, pode resultar em lesões nos olhos ou coração, porque existem meridianos que ligam as pontas dos dedos aos olhos e coração; respiração forçada e prolongada na prática do chi kung lesiona os pulmões, porque os sacos de ar e a musculatura não foram propriamente treinados por um longo período e não tiveram tempo suficiente para se ajustar ao novo nível de energia da respiração forçada.
Portanto, o conhecimento de traumatologia é importante para o treinamento das artes marciais, especialmente para os instrutores. Porque no meu treinamento de kung fu, medicações traumatológicas, como vinho medicado, pílulas grandes (bolus) para limpeza de ferimentos, pílulas para ativar o fluxo de energia e chi kungs terapêuticos estavam sempre à disposição para nos curar de qualquer contratempo que surgisse. Eu fiquei um tanto chocado quando descobri que muitos estudantes de artes marciais somente pulavam relaxadamente para soltar seus músculos e melhorar a circulação do sangue como uma maneira de diminuir seus ferimentos causados nos combates.
Esse tipo de ferimento causado pelos combates ou no treinamento vigoroso, se não tratado, pode levar a sérios problemas de saúde. Isso explica porque vários desportistas, apesar do seu treinamento regular que deveria deixa-los em forma e saudáveis, frequentemente eles têm enfermidades orgânicas; e alguns deles entram em colapso sem razão aparente.

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Princípios do Tratamento Traumatológico

Existe um provérbio que diz “o médico faz o curativo; Deus faz a cura” é particularmente apto para o tratamento ocidental de ferimentos traumatológicos. Na traumatologia chinesa, porém, o traumatologista faz muito para ajudar Deus na sua cura. E a o traumatologista é guiado pelos seguintes três princípios:

1. Equilíbrio ente o tratamento local e holístico;
2. Atenção tanto para ferimentos internos quanto externos;
3. Coordenação entre as abordagens estáticas e dinâmicas.

Vamos tomar uma simples fratura na ulna como um exemplo. Tratá-la topicamente é apenas uma parta to trabalho do traumatologista. Ele deve lembrar que o tratamento local da lesão terá repercussões por todo o corpo; então ele deve tomar as medidas apropriadas para cuidar do seu paciente holisticamente.
A filosofia médica chinesa explica que “o dano a um membro é um ferimento externo, mas irá causar uma lesão interna na energia vital e no sangue, afetando a energia nutritiva do paciente e sua energia de defesa e, consequentemente, seus órgãos internos serão desorientados.”

Então, além do tratamento da ulna, o traumatologista garante que o fluxo de energia e a circulação do sangue estão de volta ao normal, todas as partes do seu corpo continuam a receber e dividir os nutrientes, o sistema de defesa mantém sua guarda contra agentes patogênicos exógenos e todos os órgãos continuam na sua perfeita coordenação.
Desse modo, não somente o paciente não permite que os agente externos , assim como os internos, tomem vantagem do seu ferimento, mas sua recuperação será muito mais rápida. Esse é o equilíbrio do tratamento local e holístico.
Uma ulna fraturada causará um sangramento interno e esse sangue que foi expulso dos vasos sanguíneos vai coagular internamente, uma vez que a pele não sofreu nenhuma fratura que permitiria que o sangue saísse. Essa massa de sangue interno coagulado não só afeta a restituição da ulna fraturada, mas afeta também o transporte de nutrientes e a remoção das células mortas do local do ferimento. Portanto, as medicações apropriadas devem ser aplicada localmente assim como ingeridas para remover os coágulos e aumentar o fluxo de sangue e energia.
Além disso, o traumatologista deve prescrever a mistura adequada de ervas para fortalecer os rins e fígado do paciente, que são os principais órgãos responsáveis pela produção e regulação do sangue e ossos respectivamente. O médico traumatologista, portanto, presta atenção nos métodos externos de fixação óssea e medicação externa, assim como os métodos utilizados para promover o fluxo de sangue e energia e fortalecimento dos órgãos internos.

Quando o osso fraturado é apropriadamente fixado, é importante mantê-lo no lugar para que ele possa crescer e se unificar em uma única peça novamente. Enquanto muitos dos ortopedistas ocidentais permitem uma margem de deslocamento se a função do osso for restaurada. Um traumatologista chinês considera a aparência do osso tão importante quanto a sua função. Eu ainda me lembro das habilidades fantásticas do meu mestre.
Vinte anos atrás nos anos 1970 quando um paciente com uma perna fraturada frequentemente retornava do hospital com uma perna um pouco menor, meu mestre tratou de uma pessoa que havia quebrado a perna em sete partes, por causa de um acidente automobilístico, tão habilmente que ninguém conseguia notar quando ele se recuperou!
Enquanto os ortopedistas preferem engessar um membro, que frequentemente serve melhor para como um caderno de autógrafos para os visitantes do paciente do que para imobilizar o membro, porque ele pode mover levemente seus músculos, o que pode afetar o osso. O traumatologista chinês normalmente usa talas e ataduras para fixar a ulna fraturada do paciente.
Ao contrário do método ocidental no qual o pulso também é imobilizado, o traumatologista chinês certifica-se que as articulações superior e inferior ao osso fraturado – neste caso, o cotovelo e o pulso – estejam livres. (No estágio inicial, no entanto, alguns traumatologistas também imobilizam o pulso.) Isso, claro, é para permitir o movimento do cotovelo e do pulso – alinhado com o princípio de coordenação entre as abordagens estáticas e dinâmicas. O ônus chinês é que somente a parte fraturada é imobilizada; outras partes do mesmo membro são estimuladas a se movimentar.
Porque os chineses estimulam tais movimentos? Para manter, sensatamente viável, as atividades normais do membro, como movimentos dos músculos e o fluxo de sangue e impulsos mentais ao longo dele, enquanto a parte fraturada se recupera. Esses movimentos afetarão o alinhamento dos ossos que já estavam previamente fixados? Pode ser que aconteça. O alinhamento também pode ainda ser afetado, mesmo se o osso estiver envolvido em gesso; é por isso que os braços de muitos pacientes ficam um pouco menores quando o gesso é removido. Mas enquanto o ortopedista espera pelo melhor quando o gesso sai depois de, vamos dizer, três meses; o traumatologista trabalha pelo melhor dia após dia à medida que ele remove as talas e bandagens para examinar o prognóstico. Se ele achar o menor dos desalinhamentos ele o corrige imediatamente.
Em outras palavras, ao contrário dos ortopedistas ocidentais que fixam a fratura apenas uma vez e só vão olhar o resultado três meses depois,o traumatologista chinês examina a fratura em processo de cura todos os dias e fixa novamente quantas vezes forem necessárias.
A recuperação é pelo menos duas vezes mais rápida, porque além dos vários outros medicamentos, o braço fraturado do paciente é restaurado às suas condições normais o mais rápido possível. Ele é poupado do tormento e sofrimento da coceira no braço enquanto se é possível coçar apenas por fora do gesso.
Ele também é poupado da difícil prova de ver seu braço murcho e rígido quando o gesso é finalmente removido e ele não tem que exercitar o braço por mais um mês para trazê-lo de volta à vida, porque ele pode exercitá-lo enquanto a fratura se cura.

Métodos Internos de Traumatologia
O tratamento traumatológico chinês pode trazer uma rápida recuperação porque o traumatologista trata os ferimentos a partir de vários ângulos. Por conveniência, o tratamento pode ser classificado em métodos internos e externos, que são aplicáveis para ambas lesões internas e externas. Os métodos internos são subdivididos em inicial, intermediário e de encerramento.
Esses métodos e estágios são diretrizes, não regras rígidas. Embora os métodos internos são mencionados primeiro na descrição abaixo, tanto os internos quanto os externos são aplicadas ao mesmo tempo.
Quase todos os ferimentos traumatológicos envolvem lesões no sangue. Dessa forma, no estágio inicial, é importante tratar a lesão do sangue, que é normalmente uma hemorragia interna ou uma enfermidade do sangue.
Existem três técnicas principais, chamadas “eliminação a hemorragia interna através de drenagem”, “dissipação a hemorragia interna através da ativação da energia vital” e “purificação do calor e resfriamento do sangue”. Os termos médicos chineses, aqui e em qualquer lugar, devem ser interpretados figurativamente.
Limpar a hemorragia interna é muito importante, caso não ocorra de forma apropriada a produção de sangue novo e seu fluxo harmonioso serão afetados. Quando o “sangue lesionado” é retido no corpo, uma solução é utilizado para eliminá-lo através de uma drenagem. “Decocto de Tou Ren (Semen Perisae)” e “Decocto de Da Cheng (Grande Sucesso)” são dois exemplos de receitas de medicamentos que drenam hemorragias internas através da purificação do sangue.
Na receita medicinal chinesa, nomear uma decocção a partir de uma erva em particular, a não ser que seja uma decocção de uma única planta, significa que o nome representa a erva principal, mas não o único ingrediente da decocção. Na “Decocto Tou Ren”, por exemplo, cinco ervas são utilizadas, das quais tou ren é o ingrediente principal.
Quando a hemorragia interna causa inchaço ou estagnação de qi, uma maneira efetiva de superar essa situação é dispersar o sangue lesionado pela ativação do fluxo de energia. Essa técnica é também um substituto eficiente, porém mais lento, para “eliminação a hemorragia interna através de drenagem” se as condições do paciente – como idade avançada, fraqueza generalizada, gravidez e deficiência do sangue – não favorecem a utilização de métodos mais drásticos.
Dois exemplos de receitas medicinais para a ativação da energia são “Geração de Sangue e Interrupção da Decocção da Dor” e “Harmonização da Energia e Geração da Decocção do Sangue”.
A terceira técnica, “purificação do calor e resfriamento do sangue”, é útil para as enfermidades do sangue assim como para ferimentos causados por armas de fogo e infecções do sangue. Enfermidades do sangue se referem a condições patogênicas e que o sangue flui desordenadamente fora dos vasos sanguíneos, porém ainda dentro do corpo e pode jorrar anormalmente para fora do corpo através dos orifícios.
Dois exemplos de receitas medicinais que realizam o objetivo da terceira técnica são “ Decocto de Xi Jiao Huang (Cornu Rhinoceri e Radix Rehmanniae)” e “Decocto de Purificação do Coração”. O traumatologista, no entanto, deve tomar cuidado para que a medicação não super resfrie, o que resultaria na estagnação do sangue e do fluxo de energia.
Se o paciente é fraco, o traumatologista deve também nutrir a energia dele, pois uma lesão no sangue frequentemente leva a uma lesão na energia.

Harmonia no Estágio Intermediário

Quando o tratamento no estágio inicial completou o seu propósito, o traumatologista passa para o estágio intermediário. O critério para a transição depende no prognóstico do paciente, não no volume de medicações que ele tomou, e nem na quantidade de dias de tratamento, entretanto, geralmente esse estágio ocorre em algum lugar entre a terceira e décima medicação e entre o quinto e o vigésimo dia de tratamento.
O princípio guia do estágio intermediário é “harmonia”, que é, reconciliar ou restaurar as funções naturais ou habilidades do paciente. As três técnicas seguintes são frequentemente empregadas nesse estágio: “harmonização do paciente e cessação da dor”, “união dos ossos, músculos e tendões” e “relaxar os músculos e limpar os meridianos”.
As três técnicas anteriores são utilizadas no estágio inicial e se preocupam em “eliminar o mal”, que consiste no ataque às causas patogênicas da coagulação interna e das enfermidades do sangue. Quando essas causas patogênicas estiverem eliminadas ou quando um ataque adicional a elas pode prejudicar o paciente, a técnica de “harmonização dos nutrientes e interrupção da dor” é beneficamente aplicada.
Essa harmonização está preocupada com a “restauração do bem”, que é, o aprimoramento das habilidades auto curativas e auto regenerativas do paciente. Exemplos de tais receitas são “Decocto da Eliminação da Dor e Harmonização do Sangue” e “Pó da Harmonização dos Nutrientes e da Ativação da Energia”.
A técnica de “união dos ossos, músculos e tendões” é aplicada no estágio intermediário quando a fratura está apropriadamente fixada, os músculos e tendões estão bem alinhados e o inchaço diminuiu. Em conjunção com a “harmonização dos nutrientes e interrupção da dor”, os principais objetivos dessa técnica é limpar as células mortas, aumentar a circulação do sangue e fluxo de energia, promover a produção de células ósseas e aprimorar as funções de músculos e tendões.
Receitas medicinais úteis incluem “Decocto para Rejuntamento de Novas Lesões” e “Pilulas para o Rejuntamento de Músculos e Tendões”.
A técnica de “relaxar os músculos e limpar os meridianos” é um remédio efetivo no estágio intermediário para as condições patogênicas como estagnação do sangue e energia, coágulos de sangue residuais ainda restantes na área da lesão, rigidez dos músculos e juntas e dores reumáticas.
Receitas medicinais úteis incluem “Bolus para Relaxamento dos Músculos e Limpeza dos Meridianos” e “Decocto para Relaxamaneto e Ativação do Sangue”.

Nutrição (energética) no Estágio de Conclusão
Depois de restaurar as funções naturais do paciente, ou quando o processo de restauração foi colocado em uma base sólida, o traumatologista pode passar para o estágio de conclusão do tratamento. Essa transição pode ocorrer em torno de duas semanas no caso de ferimento interno da energia vital, ou em dois meses no caso de fraturas.
O principio nesse estágio é a nutrição, e quatro efetivas técnicas para atingir esse objetivo incluem “tonificação da energia e nutrição do sangue”, “tonificação do baço e estômago”, “tonificação do fígado e rins” e “aquecimento e purificação dos meridianos”.
Qualquer um que sofra de ferimentos externos e é confinado em uma cama por um certo tempo e com falta de exercícios regulares, está fadado a ficar deficiente no sangue e na energia vital. O passo lógico, portanto, é melhorar a sua energia e os níveis do sangue para que ele não sucumba a outras doenças e que em breve ele possa retornar a sua vida normal.
Duas excelentes receitas medicinais são “Decocto das Oito Ervas Preciosas” e “Bolus do Fortalecimento das Dez Grandes Ervas”.
O paciente em recuperação normalmente perde o seu apetite durante a sua doença. Ele é, portanto, privado de conseguir os nutrientes de boas comidas. Mesmo que ele se force para comer, seu corpo pode não estar preparado para aceitar algo. (É por isso que o apetite é ausente e ingerir ou injetar complexos polivitamínicos nesse estágio faz mais mal do que bem.)
O estômago é principalmente responsável por transformar a comida em energia nutritiva e o baço por armazenar e regular essa energia em todas as partes do corpo. Nesse ponto é sensato empregar a técnica “tonificação do baço e fígado” para restaurar as suas funções normais que foram afetadas pela doença.
Receitas medicinais úteis para esse propósito incluem “Pó de Ginseng Poria Atractylodis” e “Decoto para o Fortalecimento do Baço e Nutrição do Estômago”.
Na filosofia médica chinesa, “o fígado é responsável pelos músculos” e “os rins são responsáveis pelos ossos”. Além disso, o fígado armazena sangue e regula a sua circulação, enquanto os rins afetam a vitalidade do corpo inteiro.
Consequentemente a “tonificação do fígado e rins” é uma técnica significativa no estágio de conclusão do tratamento traumatológico, especialmente quando o paciente sofre de uma ruptura ou ferimento nos músculos.
A aplicação das receitas medicinais “Decocto para Geração de Sangue e Fortalecimento da Medula” e a “Pílula de Ouro Púrpura” ajudam consideravelmente nessa fase.
Se um paciente leva um longo tempo para se recuperar, agentes patogênicos exógenos como vento, frio e umidade podem ter adentrado no seu corpo; ou o seu fluxo de sangue e energia podem estar estagnados “aquecimento e purificação dos meridianos” é uma técnica efetiva para superar esses problemas.
Exemplos de tais receitas são “Decocto de Aquecimento Ma Gui (uma erva da família Ephedrae e Ramulus Cinnamomi)” e “Pílulas parra Ativação dos Meridianos”.
Todas as técnicas terapêuticas descritas acima são denominadas métodos internos, porque elas envolvem a ingestão de medicamentos para serem transformados no estômago nas energias medicinais apropriadas e transportadas para o local da lesão, onde atuarão no nível celular.
Elas são aplicáveis não só para os ferimentos internos, mas também para os externos e não só na traumatologia, mas também em todos os ramos da medicina chinesa. É óbvio que qualquer pessoa que considera como primitivo ou não científico qualquer sistema médico com tamanha profundidade filosófica, certamente não possui qualquer conhecimento sobre a sua teoria e prática, mesmo no seu nível mais elementar.
Todos os métodos descritos acima, os métodos internos, são somente uma parte do tratamento traumatológico chinês. A outra parte que são os métodos externos, será explicada no próximo capítulo.

Traumatologia e o Kung Fu Chinês

Traumatologia ou “shang ke”, é um aspecto especial da medicina chinesa, provavelmente único no mundo, uma especialidade para o tratamento de ferimentos causados por incisão, contusão, deslocamento, fraturas e impactos fortes causando dano interno.
Na cultura chinesa o desenvolvimento de uma pessoa é classificado em duas divisões principais: “wen” ou as artes do sábio (erudito, culto literato) e “wu” ou as artes do guerreiro. Na China clássica, os oficiais de alto escalão do imperador eram divididos em “wen guan” ministros sábios e “wu Jiang”, generais do exército. Uma pessoa que era treinada tanto nas disciplinas eruditas e nas marciais, se tornava conhecida como “wen wu shuang quan” e era muito admirada.
O desenvolvimento da traumatologia na China Clássica estava intimamente relacionado com o cultivo marcial. Mestres de kung fu eram geralmente traumatologistas, pois o treinamento duro frequentemente resultava em ferimentos que precisam de tratamento traumatológico. O famoso templo Shaolin, considerado por muitos o pináculo do kung fu, era muito conhecido por sua traumatologia. Ferimentos traumatológicos são comumente causados por quedas e pancadas. Esse aspecto único da medicina chinesa é também conhecido como “die da” que em português significa “quedas e pancadas”.
Tradicionalmente, a maneira normal de se aprender a traumatologia ou “die da” era seguir um traumatologista, que também era um mestre de kung fu. O ônus se dava no tratamento prático, com pouca ênfase na teoria. Portanto, com o passar do tempo os traumatologistas que era excelentes em sua prática, não eram familiares com a teoria médica. De fato, a traumatologia, na prática, operava fora da corrente principal da medicina chinesa.
Essa situação é acentuada pela prática que as pessoas genericamente diferenciam um ferimento (shang) de uma doença (bing): dessa forma, um traumatologista trata pacientes com ferimentos. Enquanto o médico trata pacientes com doenças.
Ainda hoje, a maioria dos médicos chineses tem conhecimento escasso e pouco conhecimento profissional em traumatologia, porque mesmo se eles tiverem estudado traumatologia no seu treinamento poucos se especializam nela pois, os pacientes que precisam de atendimento traumatológico quase sempre consultam os mestres de kung fu em vez dos médicos chineses.
Essa peculiar situação é um tanto infeliz porque a traumatologia chinesa é muito avançada e tem muito a oferecer para o mundo, mas se os praticantes não estão no ramo principal da medicina chinesa, o seu papel e contribuição nos círculos médicos certamente será afetada.
Nessa conexão tenho sorte, pois dois dos meus quatro mestres de kung fu, Sifu Ho Fatt Nam e Sifu Choe Hoong Choy que me ensinaram o Kung Fu Shaolin e Wing Chun respectivamente, eram médicos chineses que se especializaram em traumatologia.
Meu primeiro mestre de kung fu, Sifu Lai Chin Wah, que me ensinou também o Kung Fu Shaolin, era um traumatologista tradicional, no entanto não era treinado propriamente na medicina chinesa; enquanto meu outro mestre de kung fu, SIfu Chee Kim Toong, quem me ensinou kung fu Wuzu, era um médico da medicina tradicional chinesa mas não se especializou em traumatologia.
A situação da traumatologia agora na medicina chinesa é promissora. Retornando de uma conferência internacional de medicina chinesa na China recentemente, Sifu Ho me disse que atualmente os traumatologistas desfrutam de um alto respeito entre os profissionais médicos na China, mais alto do que acupunturistas, herborista e outros especialistas, ficando atrás somente dos cirurgiões.
É interessante notar a mudança do prestígio desses especialistas na medicina chinesa. Durante a dinastia Zhou mais do que 20 séculos atrás, o ranking oficial era o seguinte: herboristas, acupunturistas, cirurgiões (incluindo traumatologistas e terapeutas massagistas) e dietistas.

Classificações da Traumatologia
Por conveniência, a traumatologia chinesa é dividida em dois grandes grupos, denominados ferimentos externos e ferimentos internos. Os externos se referem a ferimentos na pele, músculos e ossos; enquanto que os internos se referem à energia vital, sangue e órgãos internos. Essas divisões e suas subdivisões têm propósitos pedagógicos, na prática existe muitas sobreposições nessa classificação.
Ferimentos na pele e carne são de dois tipos. Se a pele está rasgada o ferimento é denominado incisão ou corte; se a pele está intacta mas, o ferimento foi profundo até a carne,o termo é contusão ou escoriação.
A lesão pode ser simples como um ferimento causado por uma lâmina ou objeto pontiagudo, ou um coágulo de sangue na carne (marca roxa); ou complexo com a pele e a carne sendo feridas por um impacto veemente danificando ossos, veias e artérias, ou hemorragia interna afetando o fluxo de sangue e energia para os órgão internos.
Os chineses consideram a pele uma parede que protege o interior: qualquer rachadura pode resultar no mau externo entrando no corpo, ou o escapamento da essência interna. Portanto, até mesmo para um simples corte, é necessário prevenir a infecção e parar o sangramento.
Ferimentos nos músculos e nos tendões estão entre os mais comuns na traumatologia, especialmente em adultos. Os chineses têm muitos termos figurativos para descrever tais ferimentos como os músculos e tendões estarem descontinuados, tortos, inclinados, deslocados, derrubados, desprendidos, fragilizados, fortalecidos e travados. Esses ferimentos podem ser causados por forças em espiral, em rotação ou direta; e de acordo se os tendões estão ou não partidos. Simples ferimentos nos músculos e tendões afeta o movimento corporal, enquanto os complexos portem interromper o fluxo de energia e lesionar órgãos internos.
Enquanto muitas pessoas iriam considerar uma fratura óssea um ferimento sério, o qual precisaria de alguns meses para ser curado, na convenção médicas, ferimentos ósseos são classificados como externos, comparado com problemas internos como um ataque viral nas células do corpo ou tecidos defeituosos num distúrbio orgânico. Lesões nos ossos são consideradas em maiores ou menores.
As lesões menores afetam apenas a superfície óssea sem danos mais sérios. As maiores envolvem fraturas e deslocamentos. Deslocamentos podem ser totais ou parciais; e podem ser para frente, trás, cima ou baixo. Fraturas são de três tipos, podem estar rachados, quebrado em duas ou mais partes ou em muitas pequenas partes.
Lesões ósseas simples não apresentam complicações e o tratamento é tópico; mas ferimentos ósseos complexos, como quando a fratura perfurou algum órgão interno ou um deslocamento de vértebra que afetou o sistema nervoso, exigem grandes habilidades e conhecimentos para serem tratados.
Ferimentos internos na traumatologia são de três tipos principais: ferimentos que afetam a energia vital, o sangue ou os órgãos internos. O termo “interno” é utilizado aqui para diferenciar dos ferimentos externos que acometem os músculos, ossos e pele.
Traumatologia, como um ramo da cirurgia, pertence à medicina externa, na qual o curador normalmente lida com partes do corpo discerníveis, comparado à medicina externa que uma medicação oral é tomada e atua no nível celular do corpo. Esses termos foram desenvolvidos para conveniência; independentemente se ele pratica a medicina interna ou externa, o médico trata o paciente como um todo.
Ferimentos na energia vital é uma área que o ocidente pode vir a aprender muito com os chineses. Porque o fluxo de energia não é algo visível e o seu conceito é ausente na filosofia médica ocidental.
Na verdade na filosofia médica chinesa, todas as doenças são causadas pela interrupção do fluxo de energia harmonioso; na traumatologia o termo “ferimento na energia vital” é particularmente usado para caracterizar bloqueios ou estagnação do fluxo energético causado por uma força externa, como um poderoso impacto ou uma queda violenta, na quais o impacto é tão intenso que a força é transmitida ao corpo causando bloqueios ou estagnação de energia.
Pelo fato de que o fluxo de energia harmonioso é essencial para a saúde, esse tipo de ferimento tem sérias repercussões, como afetar as funções dos vários órgãos, atrapalhando o sistema de feedback causando distúrbios no sistema nervoso.
No Kung Fu Shaolin avançado, existe uma arte incrível conhecida como “dan xue”, ou demarcação de pontos de energia, na qual um expert usando a sua força interior pode interromper o fluxo de energia do seu oponente, acertando os seus pontos de energia com os dedos, causando sérios ferimentos à prazo que o oponente pode não ter conhecimento.
Para cura, abrir certos pontos de energia e transmitir energia vital para o paciente através deles, um mestre Shaolin pode curar ferimentos e doenças. Nós leremos mais sobre essas técnicas de cura nos próximos capítulos sobre acupuntura, massagem e terapia de chi kung.
Ferimentos na energia vital frequentemente levam a ferimentos no sangue e vice e versa. Um princípio de medicina chinesa afirma que “o qi é o comandante do sangue”, significando que o fluxo de energia pavimenta (direciona e oferece sustentação) o caminho do sangue. Portanto, um bloqueio de energia ou estagnação afeta de maneira negativa a circulação do sangue.
Um ditado na medicina chinesa diz que “ferimentos na energia causam dor; ferimentos do sangue causam inchaços.” Lesões no sangue podem resultar em hemorragia interna, onde o sangue “desordenadamente” é forçado para fora dos vasos sanguíneos e coagula dentro do corpo; ou numa desordem hemorrágica, na qual o sangue é expelido para fora do corpo de forma anormal como vomitar sangue, urinar e defecar sangue ou sair pelo nariz, olhos ou orelhas.
Lesões nos órgãos internos podem ser diretas ou indiretas. As diretas são causadas por agentes como golpes poderosos, quedas violentas, pressões fortes, armas penetrantes e ossos fraturados. Nesse caso o agente danifica fisicamente os órgãos.

Indiretamente as lesões ocorrem como resultado de um bloqueio de energia ou enfermidades do sangue que comprometem, não sua estrutura, mas as suas funções são alteradas. Podem ser causadas também por emoções negativas, como o excesso de ansiedade que é agressivo ao baço e a tristeza para os pulmões.
O treinamento errado ou desviado das artes marciais ou chi kung pode causar ferimentos dos órgãos internos. Por exemplo, um estudante desinformado que golpeia constantemente pequenos grãos com os seus dedos sem um preparo prévio, pode resultar em lesões nos olhos ou coração, porque existem meridianos que ligam as pontas dos dedos aos olhos e coração; respiração forçada e prolongada na prática do chi kung lesiona os pulmões, porque os sacos de ar e a musculatura não foram propriamente treinados por um longo período e não tiveram tempo suficiente para se ajustar ao novo nível de energia da respiração forçada.
Portanto, o conhecimento de traumatologia é importante para o treinamento das artes marciais, especialmente para os instrutores. Porque no meu treinamento de kung fu, medicações traumatológicas, como vinho medicado, pílulas grandes (bolus) para limpeza de ferimentos, pílulas para ativar o fluxo de energia e chi kungs terapêuticos estavam sempre à disposição para nos curar de qualquer contratempo que surgisse. Eu fiquei um tanto chocado quando descobri que muitos estudantes de artes marciais somente pulavam relaxadamente para soltar seus músculos e melhorar a circulação do sangue como uma maneira de diminuir seus ferimentos causados nos combates.
Esse tipo de ferimento causado pelos combates ou no treinamento vigoroso, se não tratado, pode levar a sérios problemas de saúde. Isso explica porque vários desportistas, apesar do seu treinamento regular que deveria deixa-los em forma e saudáveis, frequentemente eles têm enfermidades orgânicas; e alguns deles entram em colapso sem razão aparente.

Princípios do Tratamento Traumatológico
Existe um provérbio que diz “o médico faz o curativo; Deus faz a cura” é particularmente apto para o tratamento ocidental de ferimentos traumatológicos. Na traumatologia chinesa, porém, o traumatologista faz muito para ajudar Deus na sua cura. E a o traumatologista é guiado pelos seguintes três princípios:

1. Equilíbrio ente o tratamento local e holístico;
2. Atenção tanto para ferimentos internos quanto externos;
3. Coordenação entre as abordagens estáticas e dinâmicas.

Vamos tomar uma simples fratura na ulna como um exemplo. Tratá-la topicamente é apenas uma parta to trabalho do traumatologista. Ele deve lembrar que o tratamento local da lesão terá repercussões por todo o corpo; então ele deve tomar as medidas apropriadas para cuidar do seu paciente holisticamente.
A filosofia médica chinesa explica que “o dano a um membro é um ferimento externo, mas irá causar uma lesão interna na energia vital e no sangue, afetando a energia nutritiva do paciente e sua energia de defesa e, consequentemente, seus órgãos internos serão desorientados.”
Então, além do tratamento da ulna, o traumatologista garante que o fluxo de energia e a circulação do sangue estão de volta ao normal, todas as partes do seu corpo continuam a receber e dividir os nutrientes, o sistema de defesa mantém sua guarda contra agentes patogênicos exógenos e todos os órgãos continuam na sua perfeita coordenação.
Desse modo, não somente o paciente não permite que os agente externos , assim como os internos, tomem vantagem do seu ferimento, mas sua recuperação será muito mais rápida. Esse é o equilíbrio do tratamento local e holístico.
Uma ulna fraturada causará um sangramento interno e esse sangue que foi expulso dos vasos sanguíneos vai coagular internamente, uma vez que a pele não sofreu nenhuma fratura que permitiria que o sangue saísse. Essa massa de sangue interno coagulado não só afeta a restituição da ulna fraturada, mas afeta também o transporte de nutrientes e a remoção das células mortas do local do ferimento. Portanto, as medicações apropriadas devem ser aplicada localmente assim como ingeridas para remover os coágulos e aumentar o fluxo de sangue e energia.
Além disso, o traumatologista deve prescrever a mistura adequada de ervas para fortalecer os rins e fígado do paciente, que são os principais órgãos responsáveis pela produção e regulação do sangue e ossos respectivamente. O médico traumatologista, portanto, presta atenção nos métodos externos de fixação óssea e medicação externa, assim como os métodos utilizados para promover o fluxo de sangue e energia e fortalecimento dos órgãos internos.
Quando o osso fraturado é apropriadamente fixado, é importante mantê-lo no lugar para que ele possa crescer e se unificar em uma única peça novamente. Enquanto muitos dos ortopedistas ocidentais permitem uma margem de deslocamento se a função do osso for restaurada. Um traumatologista chinês considera a aparência do osso tão importante quanto a sua função. Eu ainda me lembro das habilidades fantásticas do meu mestre.
Vinte anos atrás nos anos 1970 quando um paciente com uma perna fraturada frequentemente retornava do hospital com uma perna um pouco menor, meu mestre tratou de uma pessoa que havia quebrado a perna em sete partes, por causa de um acidente automobilístico, tão habilmente que ninguém conseguia notar quando ele se recuperou!
Enquanto os ortopedistas preferem engessar um membro, que frequentemente serve melhor para como um caderno de autógrafos para os visitantes do paciente do que para imobilizar o membro, porque ele pode mover levemente seus músculos, o que pode afetar o osso. O traumatologista chinês normalmente usa talas e ataduras para fixar a ulna fraturada do paciente.
Ao contrário do método ocidental no qual o pulso também é imobilizado, o traumatologista chinês certifica-se que as articulações superior e inferior ao osso fraturado – neste caso, o cotovelo e o pulso – estejam livres. (No estágio inicial, no entanto, alguns traumatologistas também imobilizam o pulso.) Isso, claro, é para permitir o movimento do cotovelo e do pulso – alinhado com o princípio de coordenação entre as abordagens estáticas e dinâmicas. O ônus chinês é que somente a parte fraturada é imobilizada; outras partes do mesmo membro são estimuladas a se movimentar.
Porque os chineses estimulam tais movimentos? Para manter, sensatamente viável, as atividades normais do membro, como movimentos dos músculos e o fluxo de sangue e impulsos mentais ao longo dele, enquanto a parte fraturada se recupera. Esses movimentos afetarão o alinhamento dos ossos que já estavam previamente fixados? Pode ser que aconteça. O alinhamento também pode ainda ser afetado, mesmo se o osso estiver envolvido em gesso; é por isso que os braços de muitos pacientes ficam um pouco menores quando o gesso é removido. Mas enquanto o ortopedista espera pelo melhor quando o gesso sai depois de, vamos dizer, três meses; o traumatologista trabalha pelo melhor dia após dia à medida que ele remove as talas e bandagens para examinar o prognóstico. Se ele achar o menor dos desalinhamentos ele o corrige imediatamente.
Em outras palavras, ao contrário dos ortopedistas ocidentais que fixam a fratura apenas uma vez e só vão olhar o resultado três meses depois,o traumatologista chinês examina a fratura em processo de cura todos os dias e fixa novamente quantas vezes forem necessárias.
A recuperação é pelo menos duas vezes mais rápida, porque além dos vários outros medicamentos, o braço fraturado do paciente é restaurado às suas condições normais o mais rápido possível. Ele é poupado do tormento e sofrimento da coceira no braço enquanto se é possível coçar apenas por fora do gesso.
Ele também é poupado da difícil prova de ver seu braço murcho e rígido quando o gesso é finalmente removido e ele não tem que exercitar o braço por mais um mês para trazê-lo de volta à vida, porque ele pode exercitá-lo enquanto a fratura se cura.

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Métodos Internos de Traumatologia
O tratamento traumatológico chinês pode trazer uma rápida recuperação porque o traumatologista trata os ferimentos a partir de vários ângulos. Por conveniência, o tratamento pode ser classificado em métodos internos e externos, que são aplicáveis para ambas lesões internas e externas. Os métodos internos são subdivididos em inicial, intermediário e de encerramento.
Esses métodos e estágios são diretrizes, não regras rígidas. Embora os métodos internos são mencionados primeiro na descrição abaixo, tanto os internos quanto os externos são aplicadas ao mesmo tempo.
Quase todos os ferimentos traumatológicos envolvem lesões no sangue. Dessa forma, no estágio inicial, é importante tratar a lesão do sangue, que é normalmente uma hemorragia interna ou uma enfermidade do sangue.
Existem três técnicas principais, chamadas “eliminação a hemorragia interna através de drenagem”, “dissipação a hemorragia interna através da ativação da energia vital” e “purificação do calor e resfriamento do sangue”. Os termos médicos chineses, aqui e em qualquer lugar, devem ser interpretados figurativamente.
Limpar a hemorragia interna é muito importante, caso não ocorra de forma apropriada a produção de sangue novo e seu fluxo harmonioso serão afetados. Quando o “sangue lesionado” é retido no corpo, uma solução é utilizado para eliminá-lo através de uma drenagem. “Decocto de Tou Ren (Semen Perisae)” e “Decocto de Da Cheng (Grande Sucesso)” são dois exemplos de receitas de medicamentos que drenam hemorragias internas através da purificação do sangue.
Na receita medicinal chinesa, nomear uma decocção a partir de uma erva em particular, a não ser que seja uma decocção de uma única planta, significa que o nome representa a erva principal, mas não o único ingrediente da decocção. Na “Decocto Tou Ren”, por exemplo, cinco ervas são utilizadas, das quais tou ren é o ingrediente principal.
Quando a hemorragia interna causa inchaço ou estagnação de qi, uma maneira efetiva de superar essa situação é dispersar o sangue lesionado pela ativação do fluxo de energia. Essa técnica é também um substituto eficiente, porém mais lento, para “eliminação a hemorragia interna através de drenagem” se as condições do paciente – como idade avançada, fraqueza generalizada, gravidez e deficiência do sangue – não favorecem a utilização de métodos mais drásticos.
Dois exemplos de receitas medicinais para a ativação da energia são “Geração de Sangue e Interrupção da Decocção da Dor” e “Harmonização da Energia e Geração da Decocção do Sangue”.
A terceira técnica, “purificação do calor e resfriamento do sangue”, é útil para as enfermidades do sangue assim como para ferimentos causados por armas de fogo e infecções do sangue. Enfermidades do sangue se referem a condições patogênicas e que o sangue flui desordenadamente fora dos vasos sanguíneos, porém ainda dentro do corpo e pode jorrar anormalmente para fora do corpo através dos orifícios.
Dois exemplos de receitas medicinais que realizam o objetivo da terceira técnica são “ Decocto de Xi Jiao Huang (Cornu Rhinoceri e Radix Rehmanniae)” e “Decocto de Purificação do Coração”. O traumatologista, no entanto, deve tomar cuidado para que a medicação não super resfrie, o que resultaria na estagnação do sangue e do fluxo de energia.
Se o paciente é fraco, o traumatologista deve também nutrir a energia dele, pois uma lesão no sangue frequentemente leva a uma lesão na energia.

Harmonia no Estágio Intermediário
Quando o tratamento no estágio inicial completou o seu propósito, o traumatologista passa para o estágio intermediário. O critério para a transição depende no prognóstico do paciente, não no volume de medicações que ele tomou, e nem na quantidade de dias de tratamento, entretanto, geralmente esse estágio ocorre em algum lugar entre a terceira e décima medicação e entre o quinto e o vigésimo dia de tratamento.
O princípio guia do estágio intermediário é “harmonia”, que é, reconciliar ou restaurar as funções naturais ou habilidades do paciente. As três técnicas seguintes são frequentemente empregadas nesse estágio: “harmonização do paciente e cessação da dor”, “união dos ossos, músculos e tendões” e “relaxar os músculos e limpar os meridianos”.
As três técnicas anteriores são utilizadas no estágio inicial e se preocupam em “eliminar o mal”, que consiste no ataque às causas patogênicas da coagulação interna e das enfermidades do sangue. Quando essas causas patogênicas estiverem eliminadas ou quando um ataque adicional a elas pode prejudicar o paciente, a técnica de “harmonização dos nutrientes e interrupção da dor” é beneficamente aplicada.
Essa harmonização está preocupada com a “restauração do bem”, que é, o aprimoramento das habilidades auto curativas e auto regenerativas do paciente. Exemplos de tais receitas são “Decocto da Eliminação da Dor e Harmonização do Sangue” e “Pó da Harmonização dos Nutrientes e da Ativação da Energia”.
A técnica de “união dos ossos, músculos e tendões” é aplicada no estágio intermediário quando a fratura está apropriadamente fixada, os músculos e tendões estão bem alinhados e o inchaço diminuiu. Em conjunção com a “harmonização dos nutrientes e interrupção da dor”, os principais objetivos dessa técnica é limpar as células mortas, aumentar a circulação do sangue e fluxo de energia, promover a produção de células ósseas e aprimorar as funções de músculos e tendões.
Receitas medicinais úteis incluem “Decocto para Rejuntamento de Novas Lesões” e “Pilulas para o Rejuntamento de Músculos e Tendões”.
A técnica de “relaxar os músculos e limpar os meridianos” é um remédio efetivo no estágio intermediário para as condições patogênicas como estagnação do sangue e energia, coágulos de sangue residuais ainda restantes na área da lesão, rigidez dos músculos e juntas e dores reumáticas.
Receitas medicinais úteis incluem “Bolus para Relaxamento dos Músculos e Limpeza dos Meridianos” e “Decocto para Relaxamaneto e Ativação do Sangue”.

Nutrição (energética) no Estágio de Conclusão
Depois de restaurar as funções naturais do paciente, ou quando o processo de restauração foi colocado em uma base sólida, o traumatologista pode passar para o estágio de conclusão do tratamento. Essa transição pode ocorrer em torno de duas semanas no caso de ferimento interno da energia vital, ou em dois meses no caso de fraturas.
O principio nesse estágio é a nutrição, e quatro efetivas técnicas para atingir esse objetivo incluem “tonificação da energia e nutrição do sangue”, “tonificação do baço e estômago”, “tonificação do fígado e rins” e “aquecimento e purificação dos meridianos”.
Qualquer um que sofra de ferimentos externos e é confinado em uma cama por um certo tempo e com falta de exercícios regulares, está fadado a ficar deficiente no sangue e na energia vital. O passo lógico, portanto, é melhorar a sua energia e os níveis do sangue para que ele não sucumba a outras doenças e que em breve ele possa retornar a sua vida normal.
Duas excelentes receitas medicinais são “Decocto das Oito Ervas Preciosas” e “Bolus do Fortalecimento das Dez Grandes Ervas”.
O paciente em recuperação normalmente perde o seu apetite durante a sua doença. Ele é, portanto, privado de conseguir os nutrientes de boas comidas. Mesmo que ele se force para comer, seu corpo pode não estar preparado para aceitar algo. (É por isso que o apetite é ausente e ingerir ou injetar complexos polivitamínicos nesse estágio faz mais mal do que bem.)
O estômago é principalmente responsável por transformar a comida em energia nutritiva e o baço por armazenar e regular essa energia em todas as partes do corpo. Nesse ponto é sensato empregar a técnica “tonificação do baço e fígado” para restaurar as suas funções normais que foram afetadas pela doença.
Receitas medicinais úteis para esse propósito incluem “Pó de Ginseng Poria Atractylodis” e “Decoto para o Fortalecimento do Baço e Nutrição do Estômago”.
Na filosofia médica chinesa, “o fígado é responsável pelos músculos” e “os rins são responsáveis pelos ossos”. Além disso, o fígado armazena sangue e regula a sua circulação, enquanto os rins afetam a vitalidade do corpo inteiro.
Consequentemente a “tonificação do fígado e rins” é uma técnica significativa no estágio de conclusão do tratamento traumatológico, especialmente quando o paciente sofre de uma ruptura ou ferimento nos músculos.
A aplicação das receitas medicinais “Decocto para Geração de Sangue e Fortalecimento da Medula” e a “Pílula de Ouro Púrpura” ajudam consideravelmente nessa fase.
Se um paciente leva um longo tempo para se recuperar, agentes patogênicos exógenos como vento, frio e umidade podem ter adentrado no seu corpo; ou o seu fluxo de sangue e energia podem estar estagnados “aquecimento e purificação dos meridianos” é uma técnica efetiva para superar esses problemas.
Exemplos de tais receitas são “Decocto de Aquecimento Ma Gui (uma erva da família Ephedrae e Ramulus Cinnamomi)” e “Pílulas parra Ativação dos Meridianos”.
Todas as técnicas terapêuticas descritas acima são denominadas métodos internos, porque elas envolvem a ingestão de medicamentos para serem transformados no estômago nas energias medicinais apropriadas e transportadas para o local da lesão, onde atuarão no nível celular.
Elas são aplicáveis não só para os ferimentos internos, mas também para os externos e não só na traumatologia, mas também em todos os ramos da medicina chinesa. É óbvio que qualquer pessoa que considera como primitivo ou não científico qualquer sistema médico com tamanha profundidade filosófica, certamente não possui qualquer conhecimento sobre a sua teoria e prática, mesmo no seu nível mais elementar.
Todos os métodos descritos acima, os métodos internos, são somente uma parte do tratamento traumatológico chinês. A outra parte que são os métodos externos, será explicada no próximo capítulo.

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